quinta-feira, 30 de junho de 2016
terça-feira, 28 de junho de 2016
domingo, 26 de junho de 2016
terça-feira, 21 de junho de 2016
Declaração "Dominus Iesus".
A
Velha Igreja Católica.
Em
1870 os Velhos Católicos separam-se dos romanos. Somos uma comunidade cristã
cuja antiguidade tradicionalmente remonta ao Senhor Jesus e a lógica Doze
Apóstolos, através de uma sucessão apostólica ininterrupta. É uma das igrejas
cristãs no mundo. Temos um número visível de fiéis em todo o mundo.
Na
Declaração “Dominus Iesus " a Congregação para a Doutrina da Fé reconhece a
validade da Ordem e os Sacramentos das Igrejas
Vétero-católicas. Ambas permanecem ligadas pelos laços mais próximos da
Sucessão Apostólica e dos Sacramentos. As Igrejas Irmãs, embora não em plena
comunhão, reconhecem a "Unicidade e Unidade da Igreja" . A “Dominus
Iesus " decidiu finalmente aceitar, depois de tantos anos de
controvérsias, a validade da Igreja Vétero Católica.
Texto:
Declaração
“Dominus Iesus”, sobrea a Unicidade e a Universalidade Salvífica de Jesus
Cristo e da Igreja.
Introdução.
1.
O Senhor Jesus, antes de subir ao Céu, confiou aos seus discípulos o mandato de
anunciar o Evangelho a todo o mundo e de batizar todas as nações: « Ide a todo
o mundo e pregai o Evangelho a todas as criaturas. Quem acreditar e for batizado
será salvo, mas quem não acreditar será condenado » (Mc 16,15-16); « Todo o
poder Me foi no céu e na terra. Ide, pois, fazer discípulos de todas as nações,
batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinai-lhes a
cumprir tudo quanto vos mandei. E Eu estou sempre convosco, até ao fim dos
tempos » (Mt 28,18-20; cf. ainda Lc 24,46-48; Jo 17,18; 20,21; Actos 1,8).
A
missão universal da Igreja nasce do mandato de Jesus Cristo e realiza-se, através
dos séculos, com a proclamação do mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito
Santo, e do mistério da encarnação do Filho, como acontecimento de salvação
para toda a humanidade. São estes os conteúdos fundamentais da profissão de fé
cristã:
«
Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as
coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho
Unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz
da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial
ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa
salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem
Maria, e Se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;
padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e
subiu aos Céus, onde está sentado à direita do Pai. De novo há-de vir em sua
glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu Reino não terá fim. Creio no Espírito
Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai. Com o Pai e o Filho é adorado e
glorificado: Ele que falou pelos Profetas. Creio na Igreja una, santa, católica
e apostólica. Professo um só baptismo para a remissão dos pecados. E espero a
ressurreição dos mortos, e a vida do mundo que há-de vir ».
2.
A Igreja, ao longo dos séculos, proclamou e testemunhou com fidelidade o
Evangelho de Jesus. Ao terminar o segundo milénio, porém, esta missão ainda
está longe de se cumprir.2 Daí a grande atualidade do grito do Apóstolo Paulo
sobre o dever missionário de todo o batizado: « Anunciar o Evangelho não é para
mim um título de glória, é uma obrigação que me foi imposta. Ai de mim se não
anunciar o Evangelho! » (1 Cor 9,16). Assim se explica a especial atenção que o
Magistério tem posto na motivação e apoio da missão evangelizadora da Igreja,
nomeadamente no que diz respeito às tradições religiosas do mundo.3
Tendo
em conta os valores que essas tradições testemunham e oferecem à humanidade,
com uma atitude aberta e positiva, a Declaração conciliar sobre a relação da
Igreja com as religiões não cristãs afirma: « A Igreja Católica não rejeita
absolutamente nada daquilo que há de verdadeiro e santo nessas religiões.
Considera com sincero respeito esses modos de agir e de viver, esses preceitos
e doutrinas que, embora em muitos pontos estejam em discordância com aquilo que
ela afirma e ensina, muitas vezes refletem um raio daquela Verdade que ilumina
todos os homens ».4 Prosseguindo na mesma linha, o empenho eclesial de anunciar
Jesus Cristo, « caminho, verdade e vida » (Jo 14,6), hoje também encontra ajuda
na prática do diálogo inter-religioso, que certamente não substitui, mas
acompanha a missio ad gentes, graças àquele « mistério de unidade », de que «
resulta que todos os homens e mulheres que foram salvos participam, embora de
maneira diferente, no mesmo mistério de salvação em Jesus Cristo por meio do
seu Espírito ».5 Este diálogo, que faz parte da missão evangelizadora da
Igreja,6 comporta uma atitude de compreensão e uma relação de recíproco
conhecimento e de mútuo enriquecimento, na obediência à verdade e no respeito
da liberdade.
3.
No exercício e aprofundamento teórico do diálogo entre a fé cristã e as demais
tradições religiosas surgem novos problemas, que se tenta solucionar, seguindo
novas pistas de investigação, adiantando propostas e sugerindo comportamentos,
que carecem de um cuidadoso discernimento. Neste esforço, a presente Declaração
entende recordar aos Bispos, aos teólogos e a todos os fiéis católicos alguns
conteúdos doutrinais imprescindíveis, que podem ajudar a reflexão teológica a
amadurecer soluções de acordo com o dado da fé e em correspondência com as
urgências culturais do nosso tempo.
A
linguagem expositiva da Declaração está em linha com a sua finalidade. Não se
pretende tratar de forma orgânica a problemática da unicidade e universalidade
salvífica do mistério de Jesus Cristo e da Igreja, nem apresentar soluções aos
problemas e questões teológicos que são objeto de livre debate, mas voltar a
expor a doutrina da fé católica em propósito, indicando, ao mesmo tempo, alguns
problemas fundamentais que se mantêm abertos a ulteriores aprofundamentos, e
confutar algumas posições erróneas ou ambíguas. É por isso que a Declaração
retoma a doutrina contida nos anteriores documentos do Magistério, para
reafirmar as verdades que constituem o património de fé da Igreja.
4.
O perene anúncio missionário da Igreja é hoje posto em causa por teorias de
índole relativista, que pretendem justificar o pluralismo religioso, não apenas
de facto, mas também de iure (ou de principio). Daí que se considerem
superadas, por exemplo, verdades como o carácter definitivo e completo da
revelação de Jesus Cristo, a natureza da fé cristã em relação com a crença nas
outras religiões, o carácter inspirado dos livros da Sagrada Escritura, a
unidade pessoal entre o Verbo eterno e Jesus de Nazaré, a unidade da economia
do Verbo Encarnado e do Espírito Santo, a unicidade e universalidade salvífica
do mistério de Jesus Cristo, a mediação salvífica universal da Igreja, a não
separação, embora com distinção, do Reino de Deus, Reino de Cristo e Igreja, a
subsistência na Igreja Católica da única Igreja de Cristo.
Na
raiz destas afirmações encontram-se certos pressupostos, de natureza tanto
filosófica como teológica, que dificultam a compreensão e a aceitação da
verdade revelada. Podem indicar-se alguns: a convicção de não se poder alcançar
nem exprimir a verdade divina, nem mesmo através da revelação cristã; uma
atitude relativista perante a verdade, segundo a qual, o que é verdadeiro para
alguns não o é para outros; a contraposição radical que se põe entre a
mentalidade lógica ocidental e a mentalidade simbólica oriental; o subjetivismo
de quem, considerando a razão como única fonte de conhecimento, se sente «
incapaz de levantar o olhar para o alto e de ousar atingir a verdade do ser »;8
a dificuldade de ver e aceitar na história a presença de acontecimentos definitivos
e escatológicos; o vazio metafísico do evento da encarnação histórica do Logos
eterno, reduzido a um simples aparecer de Deus na história; o ecletismo de
quem, na investigação teológica, toma ideias provenientes de diferentes
contextos filosóficos e religiosos, sem se importar da sua coerência e conexão
sistemática, nem da sua compatibilidade com a verdade cristã; a tendência,
enfim, a ler e interpretar a Sagrada Escritura à margem da Tradição e do
Magistério da Igreja.
Na
base destes pressupostos, que se apresentam com matizes diferentes, por vezes
como afirmações e outras vezes como hipóteses, elaboram-se propostas
teológicas, em que a revelação cristã e o mistério de Jesus Cristo e da Igreja
perdem o seu carácter de verdade absoluta e de universalidade salvífica, ou ao
menos se projeta sobre elas uma sombra de dúvida e de insegurança.
I.
O caráter pleno e definitivo da
Revelação de Jesus Cristo.
Revelação de Jesus Cristo.
5.
Para fazer frente a essa mentalidade relativista, que se vai difundindo cada
vez mais, há que reafirmar, antes de mais, o carácter definitivo e completo da
revelação de Jesus Cristo. Deve, de facto, crer-se firmemente na afirmação de
que no mistério de Jesus Cristo, Filho de Deus Encarnado, que é « o caminho, a
verdade e a vida » (cf. Jo 14,6), dá-se a revelação da plenitude da verdade
divina: « Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o
Filho e aquele a quem o Filho o queira revelar » (Mt 11,27); « A Deus, ninguém
jamais O viu. O próprio Filho Único, que está no seio do Pai, é que O deu a
conhecer » (Jo 1,18); « É em Cristo que habita corporalmente toda a plenitude
da divindade e n’Ele participais da sua plenitude » (Col 2,9).
Fiel
à palavra de Deus, o Concílio Vaticano II ensina: « A verdade profunda, tanto a
respeito de Deus como da salvação dos homens, manifesta-se-nos por esta
revelação na pessoa de Cristo, que é simultaneamente o mediador e a plenitude
de toda a revelação ».9 E sublinha: « Jesus Cristo, portanto, Verbo Encarnado,
enviado como “homem aos homens”, “fala as palavras de Deus” (Jo 3,34) e consuma
a obra da salvação que o Pai Lhe confiou (cf. Jo 5,36; 17,4). Por isso, Ele —
ao qual quem vê, vê o Pai (Jo 14,9) — com a sua total presença e manifestação
pessoal, com as palavras e as obras, com os sinais e com os milagres e,
sobretudo, com a sua morte e gloriosa ressurreição de entre os mortos, enfim,
com o envio do Espírito de Verdade, completa perfeitamente a revelação e a
confirma com o seu testemunho divino […]. A economia cristã, portanto, como
nova e definitiva aliança, jamais passará, e não mais se deve esperar nova
revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo
(cf. 1 Tim 6,14 e Tit 2,13) ».10
Por
isso, a Encíclica “Redemptoris missio” relembra à Igreja a missão de proclamar
o Evangelho, como plenitude da verdade: « Nesta Palavra definitiva da sua
revelação, Deus deu-Se a conhecer do modo mais pleno: Ele disse à humanidade
quem é. E esta auto - revelação definitiva de Deus é o motivo fundamental pelo
qual a Igreja é, por sua natureza, missionária. Não pode deixar de proclamar o
Evangelho, ou seja, a plenitude da verdade que Deus nos deu a conhecer acerca
de Si mesmo ».11 Só a revelação de Jesus Cristo, portanto, « introduz na nossa
história uma verdade universal e última, que leva a mente do homem a nunca mais
se deter ».12
6.
É, por conseguinte, contrária à fé da Igreja a tese que defende o carácter
limitado, incompleto e imperfeito da revelação de Jesus Cristo, que seria
complementar da que é presente nas outras religiões. A razão de fundo de uma
tal afirmação basear-se-ia no facto de a verdade sobre Deus não poder ser
compreendida nem expressa na sua globalidade e inteireza por nenhuma religião
histórica e, portanto, nem pelo cristianismo e nem sequer por Jesus Cristo.
Semelhante
posição está em total contradição com as precedentes afirmações de fé, segundo
as quais, temos em Jesus Cristo a revelação plena e completa do mistério
salvífico de Deus. Portanto, as palavras, as obras e o inteiro facto histórico
de Jesus, se bem que limitados enquanto realidades humanas, têm, todavia, como
sujeito a Pessoa divina do Verbo Encarnado, « verdadeiro Deus e verdadeiro
homem »,13 e assim comportam o carácter definitivo e completo da revelação dos
caminhos salvíficos de Deus, embora a profundidade do mistério divino em si
mesmo permaneça transcendente e inesgotável. A verdade sobre Deus não é abolida
nem diminuída pelo facto que é proferida numa linguagem humana. É, invés,
única, plena e completa, porque quem fala e atua é o Filho de Deus Encarnado.
Daí a exigência da fé em se professar que o Verbo feito carne é, em todo o seu
mistério que vai da encarnação à glorificação, a fonte, participada mas real, e
a consumação de toda a revelação salvífica de Deus à humanidade,14 e que o
Espírito Santo, que é o Espírito de Cristo, ensinará aos Apóstolos e, por meio
deles, à Igreja inteira de todos os tempos, esta « verdade total » (Jo 16, 13).
7.
A melhor resposta à revelação de Deus é a « obediência da fé (Rom 1,5; cf. Rom
16,26; 2 Cor 10,5-6), com a qual o homem se entrega livre e totalmente a Deus,
oferecendo a Deus “revelador a submissão plena da inteligência e da vontade” e
dando voluntariamente assentimento à revelação feita por Ele ».15 A fé é um dom
da graça: « Porque para professar esta fé, é necessária a graça de Deus que
previne e ajuda, e os outros auxílios internos do Espírito Santo, o qual mova e
converta para Deus os corações, abra os olhos da alma, e dê “a todos a
suavidade no aderir e dar crédito à verdade” ».16
A
obediência da fé comporta a aceitação da verdade da revelação de Cristo,
garantida por Deus, que é a própria Verdade:17 « A fé é, antes de mais, uma
adesão pessoal do homem a Deus; ao mesmo tempo e inseparavelmente, é o
assentimento livre a toda a verdade que Deus revelou ».18 A fé, portanto, « dom
de Deus » e « virtude sobrenatural por Ele infundida »,19 comporta uma dupla
adesão: a Deus, que revela, e à verdade revelada por Ele, pela confiança que se
tem na pessoa que o afirma. Por isso « não se deve acreditar em mais ninguém, a
não ser em Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo ».
Deve,
portanto, manter-se firmemente a distinção entre a fé teologal e a crença nas
outras religiões. Se fé é aceitar na graça a verdade revelada, « que permite
penetrar no seio do mistério, favorecendo a sua inteligência coerente »,21 a
crença nas outras religiões é o conjunto de experiência e pensamento, que
constitui os tesouros humanos de sabedoria e de religiosidade, que o homem na
sua procura da verdade ideou e pôs em prática em referência ao Divino e ao
Absoluto.
Nem
sempre se tem presente essa distinção na reflexão hodierna, sendo frequente
identificar a fé teologal, que é aceitação da verdade revelada por Deus Uno e
Trino, com crença nas outras religiões, que é experiência religiosa ainda à procura
da verdade absoluta e ainda carecida do assentimento a Deus que Se revela. Essa
é uma das razões porque se tende reduzir, e por vezes até anular, as diferenças
entre o cristianismo e as outras religiões.
8.
Existe também quem avance a hipótese do valor inspirado dos textos sagrados de
outras religiões. Certamente deve admitir-se que alguns elementos presentes
neles são de facto instrumentos, através dos quais, multidões de pessoas
puderam, através dos séculos, e podem ainda hoje alimentar e manter a sua
relação religiosa com Deus. Por isso, o Concílio Vaticano II, referindo-se aos
modos de agir, aos preceitos e doutrinas das outras religiões, afirma — como
cima se recordou — que, « embora em muitos pontos estejam em discordância com
aquilo que [a Igreja] afirma e ensina, muitas vezes reflectem um raio daquela
Verdade, que ilumina todos os homens ».23
A
tradição da Igreja, porém, reserva o qualificativo de textos inspirados aos
livros canónicos do Antigo e Novo Testamento, enquanto inspirados pelo Espírito
Santo.24 Fiel a esta tradição, a Constituição dogmática sobre a divina
Revelação do Concílio Vaticano II ensina: « Com efeito, a Santa Mãe Igreja, por
fé apostólica, tem como sagrados e canónicos os livros inteiros do Antigo e do
Novo Testamento com todas as suas partes, porque escritos por inspiração do
Espírito Santo (cf. Jo 20,31; 2 Tim 3,16; 2 Pedro 1,19-21; 3,15-16), têm Deus
por autor e, como tais, foram confiados à própria Igreja ».25 Tais livros «
ensinam com firmeza, com fidelidade e sem erro, a verdade que Deus, por causa
da nossa salvação, quis consignar nas Sagradas Letras ».26
Embora
querendo congregar em Cristo todas as gentes e comunicar-lhes a plenitude da
sua revelação e do seu amor, Deus não deixa de Se tornar presente sob variadas
formas « quer aos indivíduos, quer aos povos, através das suas riquezas
espirituais, das quais a principal e essencial expressão são as religiões,
mesmo se contêm “lacunas, insuficiências e erros” ».27 Portanto, os livros
sagrados das outras religiões, que sem dúvida alimentam e orientam a existência
dos seus sequazes, recebem do mistério de Cristo os elementos de bondade e de
graça neles presentes.
II.
O “Logos” encarnado e o Espírito Santo na obra da salvação.
9.
Na reflexão teológica contemporânea é frequente fazer-se uma aproximação de
Jesus de Nazaré, considerando-o uma figura histórica especial, finita e
reveladora do divino de modo não exclusivo, mas complementar a outras presenças
reveladoras e salvíficas. O Infinito, o Absoluto, o Mistério último de Deus
manifestar-se-ia assim à humanidade de muitas formas e em muitas figuras
históricas: Jesus de Nazaré seria uma delas. Mais concretamente, seria para
alguns um dos tantos vultos que o Logos teria assumido no decorrer dos tempos
para comunicar em termos de salvação com a humanidade.
Além
disso, para justificar, de um lado, a universalidade da salvação cristã e, do
outro, o facto do pluralismo religioso, há quem proponha uma economia do Verbo
eterno, válida também fora da Igreja e sem relação com ela, e uma economia do
Verbo Encarnado. A primeira teria um plus-valor de universalidade em relação à
segunda, que seria limitada aos cristãos, se bem que com uma presença de Deus
mais plena.
10.
Semelhantes teses estão em profundo contraste com a fé cristã. Deve, de facto,
crer-se firmemente na doutrina de fé que proclama que Jesus de Nazaré, filho de
Maria, e só ele, é o Filho e o Verbo do Pai. O Verbo, que « estava no princípio
junto de Deus » (Jo 1,2), é o mesmo « que Se fez carne » (Jo 1,14). Em Jesus «
o Cristo, o Filho do Deus vivo » (Mt 16,16) « habita corporalmente toda a
plenitude da divindade » (Col 2,9). Ele é « o Filho unigénito, que está no seio
do Pai » (Jo 1,18), o seu « Filho muito amado, no qual temos a redenção […].
Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem
reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua
cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus » (Col 1,13-14.19-20).
Fiel
à Sagrada Escritura e refutando interpretações erróneas e redutivas, o primeiro
Concílio de Niceia definiu solenemente a própria fé em « Jesus Cristo, o Filho
de Deus, gerado unigénito do Pai, ou seja, da substância do Pai; Deus de Deus,
luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado,
consubstancial ao Pai, por meio do qual foram criadas todas as coisas do céu e
da terra. Por nós homens e pela nossa salvação, desceu do céu, encarnou e Se
fez homem, sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, voltou a subir ao céu, donde
virá para julgar os vivos e os mortos ».28 Seguindo os ensinamentos dos Padres,
também o Concílio de Calcedónia professou « que o único e idêntico Filho, nosso
Senhor Jesus Cristo, é Ele mesmo perfeito em divindade e perfeito em humanidade,
verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem […], consubstancial ao Pai segundo
a divindade e consubstancial a nós segundo a humanidade […]; gerado do Pai
antes dos séculos segundo a divindade e, nos últimos dias, Ele mesmo por nós e
pela nossa salvação, de Maria, a virgem Mãe de Deus, segundo a humanidade ».29
Por
isso, o Concílio Vaticano II afirma que Cristo, « novo Adão », « imagem de Deus
invisível » (Col 1,15), « é o homem perfeito, que restituiu à descendência de
Adão a semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado […]. Cordeiro
inocente, pelo seu sangue voluntariamente derramado, mereceu-nos a vida e n’Ele
Deus nos reconciliou consigo e connosco, libertando-nos da escravidão do diabo
e do pecado, de tal sorte que cada um pode dizer com o Apóstolo: o Filho de
Deus “amou-me e entregou-Se a Si mesmo por mim” (Gal 2,20) ».30
A
esse respeito, João Paulo II declarou explicitamente: « É contrário à fé cristã
introduzir qualquer separação entre o Verbo e Jesus Cristo […]: Jesus é o Verbo
Encarnado, pessoa una e indivisa […]. Cristo não é diferente de Jesus de
Nazaré; e este é o Verbo de Deus, feito homem para a salvação de todos […]. À
medida que formos descobrindo e valorizando os diversos tipos de dons, e
sobretudo as riquezas espirituais, que Deus distribuiu a cada povo, não podemos
separá-los de Jesus Cristo, o qual está no centro da economia salvadora ».31
É
igualmente contra a fé católica introduzir uma separação entre a ação salvífica
do Logos, enquanto tal, e a do Verbo feito carne. Com a encarnação, todas as ações
salvíficas do Verbo de Deus fazem-se sempre em unidade com a natureza humana,
que Ele assumiu para a salvação de todos os homens. O único sujeito que opera
nas duas naturezas — humana e divina — é a única pessoa do Verbo.32
Portanto,
não é compatível com a doutrina da Igreja a teoria que atribui uma atividade
salvífica ao Logos como tal na sua divindade, que se realizasse « à margem » e
« para além » da humanidade de Cristo, também depois da encarnação.33
11.
Do mesmo modo, deve crer-se firmemente na doutrina de fé sobre a unicidade da
economia salvífica querida por Deus Uno e Trino, em cuja fonte e em cujo centro
se encontra o mistério da encarnação do Verbo, mediador da graça divina no
plano da criação e da redenção (cf. Col 1,15-20), « recapitulador de todas as
coisas » (cf. Ef 1,10), « tornado para nós justiça, santificação e redenção »
(1 Cor 1,30). De facto, o mistério de Cristo tem uma sua unidade intrínseca,
que vai da eleição eterna em Deus até à parusia: « N’Ele [o Pai] nos escolheu,
antes da criação do mundo, para sermos, na caridade, santos e irrepreensíveis
diante d’Ele » (Ef 1,4); « Foi também n’Ele que fomos feitos herdeiros, segundo
os desígnios de quem tudo realiza conforme decide a sua vontade » (Ef 1,11); «
Pois àqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem do seu Filho, a fim de que Ele fosse o Primogénito de muitos
irmãos. E aqueles que predestinou, também os chamou; àqueles que chamou, também
os justificou; e, àqueles que justificou, também os glorificou » (Rom 8,29-30).
O
Magistério da Igreja, fiel à revelação divina, afirma que Jesus Cristo é o
mediador e o redentor universal: « O Verbo de Deus, por quem todas as coisas
foram feitas, encarnou, a fim de, como homem perfeito, salvar todos os homens e
recapitular todas as coisas. O Senhor […] é aquele a quem o Pai ressuscitou dos
mortos, exaltou e colocou à sua direita, constituindo-O juiz dos vivos e dos
mortos ».34 Esta mediação salvífica implica também a unicidade do sacrifício
redentor de Cristo, sumo e eterno Sacerdote (cf. Hebr 6,20; 9,11; 10,12-14).
12.
Há ainda quem sustente a hipótese de uma economia do Espírito Santo com um
carácter mais universal que a do Verbo Encarnado, crucificado e ressuscitado.
Também essa afirmação é contrária à fé católica, que, ao contrário, considera a
encarnação salvífica do Verbo um acontecimento trinitário. No Novo Testamento o
mistério de Jesus, Verbo Encarnado, constitui o lugar da presença do Espírito
Santo e o principio da sua efusão na humanidade, não só nos tempos messiânicos
(cf. Act 2,32-36; Jo 7,39; 20,22; 1 Cor 15,45), mas também nos que precederam a
sua entrada na história (cf. 1 Cor 10,4; 1 Pedro 1,10-12).
O
Concílio Vaticano II repropôs à consciência da fé da Igreja essa verdade
fundamental. Ao expor o plano salvífico do Pai sobre a humanidade inteira, o
Concílio liga estreitamente, desde o princípio, o mistério de Cristo com o do
Espírito.35 Toda a obra de edificação da Igreja por parte de Jesus Cristo
Cabeça, no decorrer dos séculos, é vista como uma realização que Ele faz em
comunhão com o seu Espírito.36
Além
disso, a ação salvífica de Jesus Cristo, com e pelo seu Espírito, estende-se,
para além dos confins visíveis da Igreja, a toda a humanidade. Falando do
mistério pascal, em que Cristo agora já associa vitalmente a Si no Espírito o
crente e lhe dá a esperança da ressurreição, o Concílio afirma: « E isto vale
não apenas para aqueles que crêem em Cristo, mas para todos os homens de boa
vontade, no coração dos quais, invisivelmente, opera a graça. Na verdade, se
Cristo morreu por todos e a vocação última do homem é realmente uma só, a saber
divina, nós devemos acreditar que o Espírito Santo oferece a todos, de um modo
que só Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao mistério pascal
».37
É
claro, portanto, o laço entre o mistério salvífico do Verbo Encarnado e o do Espírito,
que mais não faz que atuar a influência salvífica do Filho feito homem na vida
de todos os homens, chamados por Deus a uma única meta, quer tenham precedido
historicamente o Verbo feito homem, quer vivam depois da sua vinda na história:
de todos eles é animador o Espírito do Pai, que o Filho do homem doa com
liberalidade (cf. Jo 3,34).
Por
isso, o recente Magistério da Igreja recordou com firmeza e clareza a verdade de
uma única economia divina: « A presença e ação do Espírito não atingem apenas
os indivíduos, mas também a sociedade e a história, os povos, as culturas, as
religiões […]. Cristo ressuscitado, pela virtude do seu Espírito, atua já no
coração dos homens […]. É ainda o Espírito que infunde as “sementes do Verbo”,
presentes nos ritos e nas culturas, e as faz maturar em Cristo ».38 Embora
reconhecendo a função histórico-salvífica do Espírito em todo o universo e na
inteira história da humanidade,39 o Magistério, todavia afirma: « Este Espírito
é o mesmo que operou na encarnação, na vida, morte e ressurreição de Jesus e
opera na Igreja. Não é, portanto, alternativo a Cristo, nem preenche uma
espécie de vazio, como por vezes se julga que exista entre Cristo e o Logos. O
que o Espírito realiza no coração dos homens e na história dos povos, nas
culturas e religiões, assume um papel de preparação evangélica e não pode
deixar de referir-se a Cristo, Verbo feito carne pela acção do Espírito, “a fim
de, como Homem perfeito, salvar todos os homens e recapitular em Si todas as
coisas” ».40
Concluindo,
a ação do Espírito não se coloca fora ou ao lado da de Cristo. Trata-se de uma
única economia salvífica de Deus Uno e Trino, realizada no mistério da
encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus, atuada com a cooperação do
Espírito Santo e estendida, no seu alcance salvífico, à inteira humanidade e ao
universo: « Os homens só poderão entrar em comunhão com Deus através de Cristo,
e sob a acção do Espírito ».
III.
Unicidade e Universalidade do ministério salvífico de Jesus Cristo.
13.
É igualmente frequente a tese que nega a unicidade e a universalidade salvífica
do mistério de Jesus Cristo. Tal posição não tem nenhum fundamento bíblico.
Deve, invés, crer-se firmemente, como dado perene da fé da Igreja, a verdade de
Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor e único salvador, que no seu evento de
encarnação, morte e ressurreição realizou a história da salvação, a qual tem
n’Ele a sua plenitude e o seu centro.
Os
testemunhos neo-testamentários afirmam-no claramente: « O Pai enviou o seu
Filho como salvador do mundo » (1 Jo 4,14); « Eis o cordeiro de Deus, que tira
o pecado do mundo » (Jo 1,29). No seu discurso perante o sinédrio, Pedro, para
justificar a cura do homem que era aleijado desde o nascimento, cura realizada
no nome de Jesus (cf. Atos 3,1-8), proclama: « E não há salvação em nenhum
outro, pois não existe debaixo do Céu outro nome dado aos homens, pelo qual
tenhamos de ser salvos » (Atos 4,12). O mesmo Apóstolo acrescenta ainda que
Jesus Cristo « é o Senhor de todos »; « foi constituído por Deus juiz dos vivos
e dos mortos »; pelo que « todo o que acredita n’Ele recebe, pelo seu nome, a
remissão dos pecados » (cf. Actos 10,36.42.43).
Paulo,
dirigindo-se à comunidade de Corinto, escreve: « Porque, embora digam haver
deuses no céu e na terra, — na verdade são muitos esses deuses e esses senhores
— para nós há um só Deus: o Pai, de quem tudo procede e para o qual fomos
criados; e há um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual tudo existe e pelo qual
também nós existimos » (1 Cor 8,5-6). Também o Apóstolo João afirma: « Deus
amou de tal maneira o mundo que entregou o seu Filho único, para que todo o
homem que acredita n’Ele não se perca, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou
o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para este ser salvo por seu
intermédio » (Jo 3,16-17). No Novo Testamento, a vontade salvífica universal de
Deus está estritamente ligada à única mediação de Cristo: « [Deus] quer que
todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Pois Deus é um
só, e um só também o Mediador entre Deus e os homens: esse homem, que é Cristo
Jesus, que Se entregou à morte para resgatar a todos » (1 Tim 2,4-6).
É
sobre esta consciência do dom de salvação único e universal dado pelo Pai por
meio de Jesus Cristo no Espírito (cf. Ef 1,3-14), que os primeiros cristãos se
dirigiram a Israel, mostrando que a salvação se alcançava para além da Lei, e
enfrentaram o mundo pagão de então, que aspirava à salvação através de uma
pluralidade de deuses salvadores. Este património de fé voltou a ser proposto
pelo recente Magistério da Igreja: « A Igreja crê que Cristo, morto e
ressuscitado por todos (cf. 2 Cor 5,15), oferece à humanidade, pelo seu
Espírito, luz e forças que lhe permitem corresponder à sua altíssima vocação.
Ela crê que não há debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual eles
devam ser salvos (cf. Atos 4,12). Ela crê também que a chave, o centro e o fim
de toda a história humana se encontram no seu Senhor e Mestre ».42
14.
Deve, portanto, crer-se firmemente como verdade de fé católica que a vontade
salvífica universal de Deus Uno e Trino é oferecida e realizada de uma vez para
sempre no mistério da encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus.
Tendo
presente este dado de fé, a teologia hoje, meditando na presença de outras
experiências religiosas e no seu significado no plano salvífico de Deus, é
convidada a explorar se e como também figuras e elementos positivos de outras
religiões reentram no plano divino de salvação. Neste empenho de reflexão
abre–se à investigação teológica um vasto campo de trabalho sob a guia do
Magistério da Igreja. O Concílio Vaticano II, de facto, afirmou que « a única
mediação do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas uma cooperação
múltipla, que é participação na fonte única ».43 Há que aprofundar o conteúdo
desta mediação participada, que deve ser todavia regulada pelo princípio da
única mediação de Cristo: « Se não se excluem mediações participadas de diverso
tipo e ordem, todavia elas recebem significado e valor unicamente da de Cristo,
e não podem ser entendidas como paralelas ou complementares desta ».44 Seriam,
invés, contrárias à fé cristã e católica as propostas de solução que apresentam
uma acção salvífica de Deus fora da única mediação de Cristo.
15.
Não é raro que se proponha evitar na teologia termos como « unicidade », «
universalidade », « absoluto », cujo uso daria a impressão de se dar uma ênfase
excessiva ao significado e valor do evento salvífico de Jesus Cristo em relação
às demais religiões. Ora, essa linguagem não faz mais que exprimir a fidelidade
ao dado revelado, uma vez que constitui uma evolução das próprias fontes da fé.
Desde o início, efetivamente, a comunidade dos crentes atribuiu a Jesus um
valor salvífico de tal ordem, que apenas Ele, como Filho de Deus feito homem,
crucificado e ressuscitado, por missão recebida do Pai e no poder do Espírito
Santo, tem por finalidade dar a revelação (cf. Mt 11,27) e a vida divina (cf.
Jo 1,12; 5,25–26; 17,2) à humanidade inteira e a cada homem.
Neste
sentido, pode e deve dizer–se que Jesus Cristo tem para o género humano e para
a sua história um significado e um valor singulares e únicos, só a Ele
próprios, exclusivos, universais, absolutos. Jesus é, de facto, o Verbo de Deus
feito homem para a salvação de todos. Recebendo esta consciência de fé, o
Concílio Vaticano II ensina: « O Verbo de Deus, por quem todas as coisas foram
feitas, encarnou, a fim de, como homem perfeito, salvar a todos e recapitular
todas as coisas. O Senhor é o fim da história humana, “o ponto para o qual
tendem os desejos da história e da civilização”, o centro da humanidade, a
alegria de todos os corações e a plenitude das suas aspirações. É aquele a quem
o Pai ressuscitou dos mortos, exaltou e colocou à sua direita, constituindo–O
juiz dos vivos e dos mortos ».45 « Precisamente esta singularidade única de
Cristo é que Lhe confere um significado absoluto e universal, pelo qual,
enquanto está na História, é o centro e o fim desta mesma História: “Eu sou o
Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (Ap 22,13) ».46
IV.
Unicidade e Unidade da Igreja.
16.
O Senhor Jesus, único Salvador, não formou uma simples comunidade de
discípulos, mas constituiu a Igreja como mistério salvífico: Ele mesmo está na
Igreja e a Igreja n’Ele (cf. Jo 15,1ss.; Gal 3,28; Ef 4,15–16; Atos 9,5); por
isso, a plenitude do mistério salvífico de Cristo pertence também à Igreja,
unida de modo inseparável ao seu Senhor. Jesus Cristo, com efeito, continua a
estar presente e a operar a salvação na Igreja e através da Igreja (cf. Col
1,24–27),47 que é o seu Corpo (cf. 1 Cor 12,12–13.27; Col 1,18).48 E, assim
como a cabeça e os membros de um corpo vivo, embora não se identifiquem, são
inseparáveis, Cristo e a Igreja não podem confundir–se nem mesmo separar–se,
constituindo invés um único « Cristo total ».49 Uma tal inseparabilidade é
expressa no Novo Testamento também com a analogia da Igreja Esposa de Cristo
(cf. 2 Cor 11,2; Ef 5,25–29; Ap 21,2.9).50
Assim,
e em relação com a unicidade e universalidade da mediação salvífica de Jesus
Cristo, deve crer-se firmemente como verdade de fé católica a unicidade da
Igreja por Ele fundada. Como existe um só Cristo, também existe um só seu Corpo
e uma só sua Esposa: « uma só Igreja católica e apostólica ».51 Por outro lado,
as promessas do Senhor de nunca abandonar a sua Igreja (cf. Mt 16,18; 28,20) e
de guiá–la com o seu Espírito (cf. Jo 16,13) comportam que, segundo a fé
católica, a unicidade e unidade, bem como tudo o que concerne a integridade da
Igreja, jamais virão a faltar.52
Os
fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade histórica —
radicada na sucessão apostólica53 — entre a Igreja fundada por Cristo e a
Igreja Católica: « Esta é a única Igreja de Cristo […] que o nosso Salvador,
depois da sua ressurreição, confiou a Pedro para apascentar (cf. Jo 21,17),
encarregando–o a Ele e aos demais Apóstolos de a difundirem e de a governarem
(cf. Mt 28,18ss.); levantando–a para sempre como coluna e esteio da verdade
(cf. 1 Tim 3,15). Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste
mundo, subsiste [subsistit in] na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de
Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele ».54 Com a expressão « subsistit in »,
o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas afirmações doutrinais: por um lado,
a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos cristãos, continua a
existir plenamente só na Igreja Católica e, por outro, a de que « existem
numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua composição »,55
isto é, nas Igrejas e Comunidades eclesiais que ainda não vivem em plena
comunhão com a Igreja Católica.56 Acerca destas, porém, deve afirmar–se que « o
seu valor deriva da mesma plenitude da graça e da verdade que foi confiada à
Igreja Católica ».57
17.
Existe portanto uma única Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja Católica,
governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele.58 As
Igrejas que, embora não estando em perfeita comunhão com a Igreja Católica, se
mantêm unidas a esta por vínculos estreitíssimos, como são a sucessão
apostólica e uma válida Eucaristia, são verdadeiras Igrejas particulares.59 Por
isso, também nestas Igrejas está presente e atua a Igreja de Cristo, embora
lhes falte a plena comunhão com a Igreja católica, enquanto não aceitam a doutrina
católica do Primado que, por vontade de Deus, o Bispo de Roma objetivamente tem
e exerce sobre toda a Igreja.
As
Comunidades eclesiais, invés, que não conservaram um válido episcopado e a
genuína e íntegra substância do mistério eucarístico,61 não são Igrejas em
sentido próprio. Os que, porém, foram batizados nestas Comunidades estão pelo
Baptismo incorporados em Cristo e, portanto, vivem numa certa comunhão, se bem
que imperfeita, com a Igreja.62 O Baptismo, efetivamente, tende por si ao
completo desenvolvimento da vida em Cristo, através da íntegra profissão de fé,
da Eucaristia e da plena comunhão na Igreja.
«
Os fiéis não podem, por conseguinte, imaginar a Igreja de Cristo como se fosse
a soma — diferenciada e, de certo modo, também unitária — das Igrejas e
Comunidades eclesiais; nem lhes é permitido pensar que a Igreja de Cristo hoje
já não exista em parte alguma, tornando–se, assim, um mero objeto de procura
por parte de todas as Igrejas e Comunidades ».64 « Os elementos desta Igreja já
realizada existem, reunidos na sua plenitude, na Igreja Católica e, sem essa
plenitude, nas demais Comunidades ». « Por isso, as próprias Igrejas e
Comunidades separadas, embora pensemos que têm faltas, não se pode dizer que
não tenham peso no mistério da salvação ou sejam vazias de significado, já que
o Espírito Se não recusa a servir–Se delas como de instrumentos de salvação,
cujo valor deriva da mesma plenitude da graça e da verdade que foi confiada à
Igreja Católica ».
A
falta de unidade entre os cristãos é certamente uma ferida para a Igreja; não
no sentido de estar privada da sua unidade, mas « porque a divisão é um
obstáculo à plena realização da sua universalidade na história ».67
V.
A Igreja, reino de Deus e reino de Cristo.
18.
A missão da Igreja é a « de anunciar o Reino de Cristo e de Deus e de
instaurá–lo entre todos os povos; desse Reino ela é na terra o germe e o início
».68 Por um lado, a Igreja é « sacramento, isto é, sinal e instrumento da
íntima união com Deus e da unidade do género humano »;69 ela é, portanto, sinal
e instrumento do Reino: chamada a anunciá–lo e a instaurá–lo. Por outro, a
Igreja é o « povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo »; ela
é, portanto, « o Reino de Cristo já presente em mistério », constituindo assim
o seu germe e início. O Reino de Deus tem, de facto, uma dimensão escatológica:
é uma realidade presente no tempo, mas a sua plena realização dar–se–á apenas
quando a história terminar ou se consumar.
Dos
textos bíblicos e dos testemunhos patrísticos, bem como dos documentos do
Magistério da Igreja, não se tiram significados unívocos para as expressões
Reino dos Céus, Reino de Deus e Reino de Cristo, nem para a relação das mesmas
com a Igreja, sendo esta um mistério que não se pode encerrar totalmente num
conceito humano. Podem existir, portanto, diversas explicações teológicas
dessas expressões, mas nenhuma dessas possíveis explicações pode negar ou
esvaziar de maneira nenhuma a conexão íntima entre Cristo, o Reino e a Igreja.
Pois, « o Reino de Deus, que conhecemos pela Revelação não pode ser separado de
Cristo nem da Igreja… Se separarmos o Reino, de Jesus, ficaremos sem o Reino de
Deus, por Ele pregado, acabando por se distorcer quer o sentido do Reino, que
corre o risco de se transformar numa meta puramente humana ou ideológica, quer
a identidade de Cristo, que deixa de aparecer como o Senhor, a quem tudo se
deve submeter (cf. 1 Cor 15,27). De igual modo, não podemos separar o Reino, da
Igreja. Com certeza que esta não é fim em si própria, uma vez que se ordena ao
Reino de Deus, do qual é princípio, sinal e instrumento. Mesmo sendo distinta
de Cristo e do Reino, a Igreja todavia está unida indissoluvelmente a ambos ».
19.
Afirmar a relação inseparável entre Igreja e Reino não significa, porém,
esquecer que o Reino de Deus — mesmo considerado na sua fase histórica — não se
identifica com a Igreja na sua realidade visível e social. Não se deve, de
facto, excluir « a obra de Cristo e do Espírito fora dos confins visíveis da
Igreja ». Daí que se deva também considerar que « o Reino diz respeito a todos:
às pessoas, à sociedade, ao mundo inteiro. Trabalhar pelo Reino significa
reconhecer e favorecer o dinamismo divino, que está presente na história humana
e a transforma. Construir o Reino quer dizer trabalhar para a libertação do
mal, sob todas as suas formas. Em resumo, o Reino de Deus é a manifestação e a
actuação do seu desígnio de salvação, em toda a sua plenitude ».
Ao
considerar as relações entre Reino de Deus, Reino de Cristo e Igreja hão–de
evitar–se sempre as acentuações unilaterais, como são as « concepções que
propositadamente colocam o acento no Reino, auto–denominando–se de
“reino–cêntricas”, pretendendo com isso fazer ressaltar a imagem de uma Igreja
que não pensa em si, mas dedica–se totalmente a testemunhar e servir o Reino. É
uma “Igreja para os outros” — dizem — como Cristo é o “homem para os outros”
[…]. Ao lado de aspectos positivos, essas concepções revelam frequentemente
outros negativos. Antes demais, silenciam o que se refere a Cristo: o Reino, de
que falam, baseia–se num “teo–centrismo”, porque — como dizem — Cristo não pode
ser entendido por quem não possui a fé n’Ele, enquanto que povos, culturas e
religiões se podem encontrar na mesma e única realidade divina, qualquer que
seja o seu nome. Pela mesma razão, privilegiam o mistério da criação, que se
reflecte na variedade de culturas e crenças, mas omitem o mistério da redenção.
Mais ainda, o Reino, tal como o entendem eles, acaba por marginalizar ou
desvalorizar a Igreja, como reacção a um suposto « eclesiocentrismo » do
passado, por considerarem a Igreja apenas um sinal, aliás passível de
ambiguidade ». Tais teses são contrárias à fé católica, por negarem a unicidade
da relação de Cristo e da Igreja com o Reino de Deus.
VI.
A Igreja e as religiões no que concene a salvação.
20.
De quanto acima se recordou, resultam ainda alguns pontos necessários para o
percurso que a reflexão teológica deve seguir no aprofundamento da relação da
Igreja e das religiões com a salvação.
Antes
de mais, deve crer-se firmemente que a « Igreja, peregrina na terra, é
necessária para a salvação. Só Cristo é mediador e caminho de salvação; ora,
Ele torna–se–nos presente no seu Corpo que é a Igreja; e, ao inculcar por
palavras explícitas a necessidade da fé e do Baptismo (cf. Mc 16,16; Jo 3,5),
corroborou ao mesmo tempo a necessidade da Igreja, na qual os homens entram
pelo Baptismo tal como por uma porta ».77 Esta doutrina não se contrapõe à
vontade salvífica universal de Deus (cf. 1 Tim 2,4); daí « a necessidade de
manter unidas estas duas verdades: a real possibilidade de salvação em Cristo
para todos os homens, e a necessidade da Igreja para essa salvação ».78
A
Igreja é « sacramento universal de salvação »,79 porque, sempre unida de modo
misterioso e subordinada a Jesus Cristo Salvador, sua Cabeça, tem no plano de
Deus uma relação imprescindível com a salvação de cada homem.80 Para aqueles
que não são formal e visivelmente membros da Igreja, « a salvação de Cristo
torna–se acessível em virtude de uma graça que, embora dotada de uma misteriosa
relação com a Igreja, todavia não os introduz formalmente nela, mas ilumina
convenientemente a sua situação interior e ambiental. Esta graça provém de
Cristo, é fruto do seu sacrifício e é comunicada pelo Espírito Santo ».81 Tem
uma relação com a Igreja, que por sua vez « tem a sua origem na missão do Filho
e na missão do Espírito Santo, segundo o desígnio de Deus Pai ».
21.
Quanto ao modo como a graça salvífica de Deus, dada sempre através de Cristo no
Espírito e em relação misteriosa com a Igreja, atinge os não cristãos, o
Concílio Vaticano II limitou–se a afirmar que Deus a dá « por caminhos só por
Ele conhecidos ».83 A teologia esforça–se por aprofundar a questão. Há que
encorajar esse esforço teológico, que sem dúvida serve para aumentar a
compreensão dos desígnios salvíficos de Deus e dos caminhos que os realizam.
Todavia, de quanto acima foi dito sobre a mediação de Jesus Cristo e sobre a «
relação única e singular »84 que a Igreja tem com o Reino de Deus entre os
homens — que é substancialmente o Reino de Cristo Salvador universal —, seria
obviamente contrário à fé católica considerar a Igreja como um caminho de salvação
ao lado dos constituídos pelas outras religiões, como se estes fossem
complementares à Igreja, ou até substancialmente equivalentes à mesma, embora
convergindo com ela para o Reino escatológico de Deus.
Não
há dúvida que as diversas tradições religiosas contêm e oferecem elementos de
religiosidade, que procedem de Deus,85 e que fazem parte de « quanto o Espírito
opera no coração dos homens e na história dos povos, nas culturas e religiões
».86 Com efeito, algumas orações e ritos das outras religiões podem assumir um
papel de preparação ao Evangelho, enquanto ocasiões ou pedagogias que estimulam
os corações dos homens a se abrirem à acção de Deus.87 Não se lhes pode porém
atribuir a origem divina nem a eficácia salvífica ex opere operato, própria dos
sacramentos cristãos.88 Por outro lado, não se pode ignorar que certos ritos,
enquanto dependentes da superstição ou de outros erros (cf. 1 Cor 10,20–21),
são mais propriamente um obstáculo à salvação.
22.
Com a vinda de Jesus Cristo Salvador, Deus quis que a Igreja por Ele fundada
fosse o instrumento de salvação para toda a humanidade (cf. Act 17,30–31).90
Esta verdade de fé nada tira ao facto de a Igreja nutrir pelas religiões do
mundo um sincero respeito, mas, ao mesmo tempo, exclui de forma radical a mentalidade
indiferentista « imbuída de um relativismo religioso que leva a pensar que
“tanto vale uma religião como outra” ». Se é verdade que os adeptos das outras
religiões podem receber a graça divina, também é verdade que objetivamente se
encontram numa situação gravemente deficitária, se comparada com a daqueles que
na Igreja têm a plenitude dos meios de salvação.92 Há que lembrar, todavia, « a
todos os filhos da Igreja que a grandeza da sua condição não é para atribuir
aos próprios méritos, mas a uma graça especial de Cristo; se não corresponderem
a essa graça, por pensamentos, palavras e obras, em vez de se salvarem, incorrerão
num juízo mais severo ». Compreende–se, portanto, que, em obediência ao mandato
do Senhor (cf. Mt 28,19–20) e como exigência do amor para com todos os homens,
a Igreja « anuncia e tem o dever de anunciar constantemente a Cristo, que é “o
caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), no qual os homens encontram a plenitude
da vida religiosa e no qual Deus reconciliou todas as coisas consigo ».94
A
missão ad gentes, também no diálogo inter–religioso, « mantém hoje, como
sempre, a sua validade e necessidade ». Com efeito, « Deus “quer que todos os
homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tim 2,4): quer a
salvação de todos através do conhecimento da verdade. A salvação encontra–se na
verdade. Os que obedecem à moção do Espírito de verdade já se encontram no
caminho da salvação; mas a Igreja, a quem foi confiada essa verdade, deve ir ao
encontro do seu desejo e oferecer–lha. Precisamente porque acredita no plano
universal de salvação, a Igreja deve ser missionária ».96 O diálogo, portanto,
embora faça parte da missão evangelizadora, é apenas uma das acções da Igreja
na sua missão ad gentes.97 A paridade, que é um pressuposto do diálogo,
refere–se à igual dignidade pessoal das partes, não aos conteúdos doutrinais e
muito menos a Jesus Cristo — que é o próprio Deus feito Homem — em relação com
os fundadores das outras religiões. A Igreja, com efeito, movida pela caridade
e pelo respeito da liberdade,98 deve empenhar–se, antes de mais, em anunciar a
todos os homens a verdade, definitivamente revelada pelo Senhor, e em proclamar
a necessidade da conversão a Jesus Cristo e da adesão à Igreja através do
Baptismo e dos outros sacramentos, para participar de modo pleno na comunhão
com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Aliás, a certeza da vontade salvífica
universal de Deus não diminui, antes aumenta, o dever e a urgência do anúncio
da salvação e da conversão ao Senhor Jesus Cristo.
Conclusão.
23.
A presente Declaração, ao relembrar e esclarecer algumas verdades de fé, quis
seguir o exemplo do Apóstolo Paulo aos fiéis de Corinto: « Pois eu
transmiti–vos em primeiro lugar o mesmo que havia recebido » (1 Cor 15,3).
Perante certas propostas problemáticas ou mesmo erróneas, a reflexão teológica
é chamada a reconfirmar a fé da Igreja e a dar razão da sua esperança de forma
convincente e eficaz.
Os
Padres do Concílio Vaticano II, debruçando–se sobre o tema da verdadeira
religião, afirmaram: « Acreditamos que esta única verdadeira religião se
verifica na Igreja Católica e Apostólica, à qual o Senhor Jesus confiou a
missão de a difundir a todos os homens, dizendo aos Apóstolos: “Ide, pois,
fazer discípulos de todas as nações, batizai–as em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo e ensinai–lhes a cumprir tudo quanto vos mandei” (Mt 28,19–20).
Por sua vez, todos os homens estão obrigados a procurar a verdade, sobretudo no
que se refere a Deus e à sua Igreja, e a abraçá–la e pô–la em prática, uma vez
conhecida ».99
A
revelação de Cristo continuará a ser na história « a verdadeira estrela de
orientação » 100 para toda a humanidade: « A Verdade, que é Cristo, impõe–se
como autoridade universal ». 101 O mistério cristão, com efeito, supera qualquer
barreira de tempo e de espaço e realiza a unidade da família humana: « Dos mais
diversos lugares e tradições, todos são chamados, em Cristo, a participar na
unidade da família dos filhos de Deus […]. Jesus abate os muros de divisão e
realiza a unificação, de um modo original e supremo, por meio da participação
no seu mistério. Esta unidade é tão profunda que a Igreja pode dizer com São
Paulo: “Já não sois estrangeiros nem hóspedes, mas sois concidadãos dos santos
e membros da família de Deus” (Ef 2,19) ». 102
O
Sumo Pontífice João Paulo II, na Audiência concedida, a 16 de Junho de 2000, ao
abaixo-assinado Cardeal Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, com
ciência certa e com a sua autoridade apostólica ratificou e confirmou esta
Declaração, decidida em Sessão Plenária, e mandou que fosse publicada. Dado em Roma, sede da Congregação para a
Doutrina da Fé, 6 de Agosto 2000, Festa da Transfiguração do Senhor. (Card.
Joseph Ratzinger, Prefeito; Tarcisio Bertone, S.D.B., Arcebispo emérito de
Vercelli, Secretário)
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